Deixado na sarjeta, sem dinheiro, sem documentos e sem saber a quem recorrer, o homem por vários dias pediu ajuda às pessoas que passavam, mas sem sucesso. Em pouco tempo estava sujo e malcheiroso, e, não vendo alternativa, passou a mendigar ao lado de uma igreja.
No domingo, quando a tarde findava, dando lugar à noite tímida, uma família seguia para o culto. Pai, mãe e filho caminhavam tranquilamente pela calçada, envolvidos em uma conversa trivial. Logo se depararam com o pedinte e, afastando-se, passaram de largo. O pai, então, aproveitou a situação para orientar o filho sobre o perigo de se aproximar de estranhos. E rapidamente sumiram para dentro do templo.
Semelhantemente, um jovem com uma guitarra às costas seguia apressado, preocupado com a preparação do culto. Vinha tão distraído que só percebeu o mendigo quando estava bem em sua frente. Vendo aquela mão suja estendida em sua direção, o jovem se afastou e também passou de largo. Em seus pensamentos, considerou que aquele homem poderia muito bem estar trabalhando em vez de esmolar.
Pouco tempo depois, uma mulher bem vestida seguia o mesmo caminho, cantarolando um hino. A certa distância, viu o homem miserável e sentiu uma mistura de medo e compaixão. Aproximou-se, embora não tão próximo assim, e pôde notar a aflição da necessidade naquele rosto embrutecido. No íntimo, considerou que alguém deveria providenciar um pouco de comida ou algumas roupas velhas para ele. Sussurrou um “boa noite” quase inaudível e com passos ligeiros seguiu para dentro.
Logo atrás vinha o pastor da igreja. De terno preto e Bíblia debaixo do braço, resmungava o sermão da noite para uma audiência imaginária. De repente, percebeu o pedinte encolhido junto à parede e, sem parar de balbuciar, lamentou a situação daquele pecador tão necessitado da mensagem do evangelho. Se o culto não estivesse tão próximo de começar… E, passando de largo, caminhou até a porta, onde, detendo-se por um instante, cumprimentou efusivamente um irmão.
Minutos depois, o canto animado de muitas vozes anunciava o início do culto. Um diácono se posicionou à porta da igreja e percebeu o estranho maltrapilho ali ao lado. Por longo tempo, ficou inquieto, parecendo querer fazer algo, mas sem iniciativa. Enfim, se dispôs. Caminhou até o mendigo, abaixou-se e lhe falou ao ouvido: “Aqui você está atrapalhando. Por favor, vá pedir em outro lugar.”
O pobre homem se levantou e, com curtos e desanimados passos, tomou um rumo incerto. Lentamente, se distanciava da igreja, mas ainda conseguia ouvir ao fundo a fervorosa voz do pastor, que exclamava: “Assim diz a Palavra do Senhor: Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e veio a cair em mãos de salteadores…”
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Autor: Rogério Camargo Nery
Originalmente escrito em 03/09/2018. Texto revisado pelo autor.
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