Entrou no carro ofegante. Precisava se apressar. Tinha sido convidada a palestrar em uma reunião na igreja especialmente organizada para mulheres idosas. O tema: “A beleza da velhice”. Aceitara o convite e desejava corresponder às expectativas, se não superá-las. Por isso, não queria chegar atrasada e causar uma impressão ruim. Dirigiu todo o trajeto com cautela, mas no limite da velocidade permitida.
Chegou em cima da hora. “Pontualidade britânica, heim?!”, brincou uma das organizadoras. Sorriu, fingindo se orgulhar, mas no fundo a consciência acusava. Tudo isso lhe aumentava o nervosismo. Cumprimentou a todas que lhe cruzaram o caminho enquanto procurava uma cadeira. Sentou-se e ficou observando as “meninas” que arrumavam mesas, decorações e salgadinhos. “Meninas” era uma boa forma de o grupo da meia-idade se tratar sem fazer com que a linguagem acusasse as idades – “senhoras” envelhece demais.
O salão não estava ocupado apenas pelas “meninas”. Muitas das idosas convidadas já estavam lá – essas eram chamadas de “senhoras”, sem constrangimento. Na verdade, era até demonstração de respeito. Viu mais algumas “senhoras” chegarem, causando euforia entre as já presentes. Quinze minutos de atraso e a reunião começou. Uma das “meninas” agradeceu a presença de todas e fez uma oração. Seguiram-se as práticas próprias dessas reuniões: a leitura de um versículo, algumas músicas, a declamação de uma poesia, etc.
As idosas acompanhavam animadas. Havia velhinhas de todo tipo: senhorinhas magras e gordas, tímidas e faladeiras, risonhas e carrancudas, simples e extravagantes… Cada uma, de forma peculiar, ostentava as marcas do tempo. Ela observava a todas, ao mesmo tempo em que processava sua preleção na mente, silenciosamente.
Enfim, foi anunciada. Dirigiu-se à frente, organizou alguns papéis e sorriu, enquanto dizia para si mesma que não havia motivo para nervosismo. Agradeceu a oportunidade, como era praxe, e tratou do tema proposto, ganhando desenvoltura na medida que se acostumava com sua plateia. Sendo fiel ao que lhe fora proposto, falou sobre a graça de ter vida longa, sobre a importância da sabedoria acumulada com os anos, sobre a autoridade que acompanha os cabelos brancos, sobre a alegria de ver as gerações se sucedendo… Discorreu conforme planejado e foi aplaudida ao final. Sentiu-se satisfeita.
Ao fim da reunião, recebeu congratulações. Depois de algumas conversas e vários salgadinhos, despediu-se das amigas que estavam mais próximas. Pegou o carro e voltou para casa, sem a correria da ida.
Chegou em casa exausta. Não tinha mais o pique da juventude. O marido e os meninos ainda não tinham chegado. Soltou a bolsa sobre o sofá e subiu os degraus da escada, pé após pé, suportando um peso que o corpo parecia não ter horas atrás. Entrou no quarto, jogou o celular sobre a cama e se dirigiu ao banheiro. Olhou-se no espelho. Passou alguns segundos contemplando seu rosto. Assim de perto, era possível reparar algumas rugas que, no corre-corre, a maquiagem conseguia disfarçar. Com as pontas dos dedos, esticou a pele nas laterais da face. Virou levemente a cabeça para analisar o resultado do lado direito. Em seguida, do lado esquerdo. Passou a mão pelos cabelos curtos, cortados há poucos dias para manter a aparência jovial. Pensou que o tempo é realmente impiedoso. Na imagem refletida no espelho, viu uma lágrima escorrer.
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Autor: Rogério Camargo Nery
Originalmente escrito em 01/01/2019. Texto revisado pelo autor.
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